A pintura traz com ela mesma uma sobrecarga em seus ombros. Carregou séculos e séculos de história durante todo esse tempo e acumulou nomes de peso na memória. Depois da precisão iluminista de Sanzio, da dramaticidade questionadora de Caravaggio, da subjetividade traduzida em luz e bruma de Turner ou do achatamento espacial de Cézanne, nos resta ainda alguma via de diálogo original com a pintura na situação contemporânea? Se ela assumiu o posto de disciplina soberana da história da arte, sendo linguagem protagonista perante as demais, como lidar com essa técnica e toda sua tradição nos dias de hoje?

Rafael Alonso, artista do Rio de Janeiro presente no Frestas, nos aponta alguns caminhos. Faz uso dos mesmos códigos – da tinta, da cor, da mancha e do suporte –, mas os repensa a partir dos atributos e das premissas que regem nosso tempo. A gama cromática se reconfigura e incorpora novos pigmentos; o suporte também é repensado e assume bases e formatos variados. Ao subverter o canvas, apostando em materiais plurais e corriqueiros, amplia-se o léxico da própria pintura.

Mas sua produção prevê não apenas uma reordenação do vocabulário pictórico, como também sugere uma consciência de contágio entre a técnica e o seu contexto. Um observador das visualidades atuais, o artista coleta fragmentos do nosso imaginário coletivo e os reorganiza a partir de um atencioso exercício de relação entre objeto e espaço. Muito além da peça isolada disposta na parede, seu trabalho ativa um campo de interlocução e de negociação entre as partes – entre todo o conjunto de quadros reunidos no espaço expositivo.

Essa diagramação de recortes permite uma aproximação com a imagem em si, mas permite ainda mais uma problematização do vínculo que se estabelece entre imagem e a circunstância na qual ela está inserida. Quem entrar na exposição e chegar até o trabalho de Rafael poderá acessar o universo da pintura. Acessará também estratégias possíveis de edição de uma realidade.

Rafael Alonso, Sexto mundialito de maiô artístico, 2017 técnica mista

Escrito por:

Paola Fabres