Bienais, trienais, feiras e grandes exposições, como bem sabemos, tornaram-se modelos recorrentes e proliferados. A esfera etérea e subjetiva da arte flertou faz tempo com a indústria cultural, o que deu margem a esse formato do big-evento. O Brasil, de certa forma, é precursor nesse processo, já que inaugurou a segunda bienal da esfera global com a de São Paulo (1951), vindo atrás apenas da tradicional Bienal de Veneza (de 1895). Mas é pelas décadas de 80 e principalmente a de 90 que essa configuração do grande evento vai replicando-se pelas várias geografias e se adaptando às diferentes conjunturas culturais, ocupando as regiões centrais e seus arredores.

A grande exposição traz junto com ela o volume de obras e nomes, o levante de temas de debate, o impacto – seja esse qual for – e não podemos esquecer, também, o alto custo. Então, provoco: para que? Para que o esforço, a logística, a estrutura e a mobilização? Por que não alocar recursos direcionados para os pontos de vulnerabilidade que tão bem podemos reconhecer no nosso cenário atual? Por que não canalizar fundos e energias para o extrato social mais suscetível ou por que não pensarmos em respostas poéticas que solucionem, de fato, nossas carências de maneira mais prática e funcional? Entramos aqui na questão sobre a funcionalidade da arte. Questão tão cara, tão debatida, cujas conclusões são tão pouco unívocas.

Nossos estímulos, quase sempre, visam finalidades. Movemo-nos pela sensatez e pela eficácia imediata, mas nem todo resultado é quantificado de forma palpável. A prática artística carrega consigo outras potências, menos objetivas ou pragmáticas. O objeto simbólico traz outra serventia, nem o remendo, nem o ajuste, mas a formação do olhar. A geração de criticidade, nesse caso, sobrepõe-se à ação. Assim, estamos lidando com práticas sensíveis nada resolutivas que não buscam o discurso paternalista, nem funcionam sob a lógica do assistencialismo. Se assim fosse, perderiam sua capacidade de reverberação. Se debilitariam de sua faculdade de contemplar outros tempos e outros espaços através de um argumento que atua como ponto de partida. Não conseguiriam aproximar os diferentes a partir do mesmo problema. Se resolvessem falhas pontuais, reparando os furos mais perto de nós – que tanto precisam de amparo – deixariam de abraçar as tantas outras fissuras que não estão ao nosso alcance, perdendo sua rara capacidade de tratar de aspectos específicos para abranger planos gerais. Seu mote toca a formação. Uma formação, claro, de outro tipo, como sempre nada súbita, mas que junta o simbólico e o afetivo à cognição.

À arte, a resposta não lhe pertence, sua gramática é a indagação.

Bienais ou trienais comprometem-se com a continuidade. De certa maneira, apresentam-se como esse big-evento que mais do que estruturas de entretenimento cultural, mais do que dispositivos que permitem a apresentação de artistas e proposições para diferentes grupos sociais ou mais do que plataformas que possibilitam o fomento e a divulgação da produção do campo artístico, tratam-se de programações que incitam a dúvida e o estranhamento – matérias e narrativas de uma outra ordem – para deles extrairmos a reflexão. Prometem um debate seguido, ainda que as discussões mudem de nome ou forma. Seu maior e principal desafio é tornar-se contínua, não no que diz respeito a sucessão de suas próximas edições, mas sobrevivente nos próprios interstícios, entre uma e a outra. Como garantir a permanência do questionamento nos intervalos que perpassam esses períodos? Como evitar que o término de um evento encerre junto com ele todo o rumor que criou ou todo o eco que gerou? Não deve ser uma conformação de teatro italiano. Não deve ser este palco cênico que abre e fecha suas cortinas, que pede vaias ou aplausos e apaga a luz no fim do dia. O objeto simbólico demanda o pensamento e ele pode ser contínuo. A questão é entendermos como fazer essa continuidade tornar-se permanente.

Escrito por:

Paola Fabres