Sobre uma Beleza em Construção

A imagem do corpo obeso ainda ofende.

Na grande briga de foices que são os comentários da internet há ódio para tudo, é verdade. E o gordofóbico está lá, fazendo questão de dedicar seu tempo e vocabulário para difamar gratuitamente os outros. Assim como outros fóbicos.

Pois bem, vamos adotar uma empatia que esses indivíduos não costumam ter e voltarmos nossos olhos para seus preconceitos.


Feios, Sujos e Malvados


A construção do padrão de beleza da sociedade ocidental está fundada em ideais estéticos europeus. A história, e principalmente a história da arte, nos mostra as transformações desse padrão de diversas maneiras, numa equação envolvendo simetria, equilíbrio e proporção.

O tanquinho do Lançador de Discos. Cópia romana datando do séc. II AC.

A beleza na Grécia Antiga estava nos corpos esbeltos, sem adjacências que atrapalhassem as tarefas comuns, como praticar ginástica ou ir a guerra. Estes desvios no padrão estético do indivíduo desarmonizavam toda a sociedade e se tornavam motivos de ódio (qualquer semelhança com o nazismo não é mera coincidência). A beleza feminina, por sua vez, era idealizada a partir de atributos utilitários, em representações que evocavam a sexualidade e a fertilidade.

Com o tempo e o progresso, a equação perdeu seu balanço até deixar de fazer sentido obrigatório.

Então, qual o mecanismo pra gerar ódio pelo formato do corpo do outro?


Belos, Recatados e Ignorantes


Podemos avaliar alguns fatores:

01) Um formato de educação sustentado por esse ideal excludente da beleza (neoclássico e/ou conservador) que cria um olhar menos curioso pelo diverso, exigindo um padrão de excelência técnica que representa uma fração pequena das possibilidades da arte no séc. XXI.

02) O mercado, através da publicidade, que abastece um imaginário calcado nesta mesma lógica, comumente distorcidas por pesquisas de desenvolvimento de marca. O desejo pela experiência do consumo é construído sobre corpos que pouco representam a diversidade que podemos encontrar na vida em sociedade. Aos poucos a publicidade esboça um olhar mais diverso, guiada pelas tendências de mercado.

03) A ignorância, que se dá a partir de dois movimentos de alienação. Alienação configurada por meio do afastamento deste mesmo indivíduo ignorante, que opta por isolar-se de tudo que foge ao normativo; e por meio da própria internet que oferece justificativas para esta ignorância, por conduzir este indivíduo junto a outros que pensam como ele.

E qual a alternativa para dialogar com esse olhar?


Gordos, Transexuais e Radicais


Gordura Trans – Miro Spinelli

É comum que a arte se adiante e introduza ideias e discursos no seio da sociedade, geralmente através da prática, geralmente de forma polêmica. Condutas engessadas no início do séc. XX foram questionadas pelos modernistas, que distorciam a representação da imagem perfeita, ainda hoje são motivo de discussão, tanto na esfera estética quanto no campo comportamental.

A performance Gordura Trans do artista transexual Miro Spinelli, foi alvo de comentários preconceituosos em redes sociais e sua imagem foi viralizada de maneira caricata e ofensiva. O trabalho de Miro explora a subjetividade de seu corpo não binário e gordo para afirmar um corpo não hegemônico. Esta mesma performance acontece na Trienal de Artes Frestas, no Sesc Sorocaba, no dia 12/08.

A possibilidade de abrigar este tipo de produção, dar voz ao discurso omitido e iluminar as possíveis representações destas minorias é um caminho para esse processo de desenvolvimento cultural e social. Outra face disso está na própria arte. É preciso fazê-la, discuti-la, repensá-la, discuti-la novamente e assim por diante. Até o momento em que o corpo possa ser da maneira que ele deseje ser e estar.

O tempo do apedrejamento não precisa retornar.

Escrito por:

Wagner Linares

Frestas na internet

Foto: reprodução Instagram Bruno Mendonça

Há 20 anos usava-se muito a expressão “entrar na internet”. Como se fosse possível abrir uma porta e de alguma forma chegar a este espaço novo e cheio de infinitas possibilidades. O “mundo virtual” era um lugar a parte, de onde entrávamos e saíamos acompanhados de um característico som da conexão analógica.

O mundo mudou. O espaço virtual se expandiu e tomou conta de nossos hábitos diários desde o momento em que acordamos. A conexão é permanente, constante, infinita. Não há divisão de territórios e estamos todos presentes no mesmo lugar, conectados a tudo e todos, 24 horas por dia.

Desta forma, nada mais natural que a Trienal ocupe também este espaço como uma extensão da própria mostra. Com curadoria de Ana Maria Maia e Júlia Ayerbe, um grupo de artistas foi convidado para interferir em diferentes plataformas digitais. Listamos aqui o caminho a seguir para acompanhar Frestas na internet sem se perder.

A argentina Gala Berger, questionando sobre a credibilidade dos conteúdos webs, apresenta o projeto de escrita e monitoramento de um verbete na Wikipedia, enciclopédia multilíngue colaborativa. Escrito em castelhano e passível de interferência dos públicos, a obra está no ar desde 11 de julho.

Angélica Freitas ocupa a rede social que mais abriga conteúdo no mundo, o Facebook. Em postagens pontuais, sonorizadas por Juliana Perdigão, um episódio da política brasileira é abordado através de analogias com o cotidiano num encontro entre poesia e música, despertando sensações que transbordam do virtual.

O Departamento de reclamações das Guerrilla Girls abre espaço na web para o recolhimento de queixas das pessoas que não poderão visitar a exposição presente no Sesc Sorocaba. Além de expressar suas objeções, o público pode compartilhar o link, aumentando assim o alcance do trabalho.

Bruno Mendonça cria o projeto onde está o que se o que está em porque que consiste em intervenções em circuitos variados que tangenciam a exposição, criando uma rede discursiva, uma espécie de narrativa hipertextual. Desde agosto de 2017, o artista tem desenvolvido conteúdos específicos nas redes sociais, sempre indexados com a hashtag #frestas2017, a mais popular entre os visitantes da trienal. Esses conteúdos infiltram uma perspectiva pessoal e desviante na memória coletiva e institucional do evento. Em 21/10 o artista realiza uma performance com formato que transita entre o spoken word, a lecture performance e o one man band show, na ágora do Sesc Sorocaba onde visitará este conteúdo em processo complexificando essa rede e as relações entre performance e performatividade.

Em Escola da Floresta, Fábio Tremonte ocupará o Facebook  ao vivo de 28/8 a 1/9, através de uma transmissão da leitura do Relatório Figueiredo, um documento de 7 mil páginas produzido em 1967 pelo procurador Jader de Figueiredo Correia a pedido do ministro do interior brasileiro Afonso Augusto de Albuquerque Lima. O texto descreve violências praticadas por latifundiários e funcionários do Serviço de Proteção ao Índio contra índios brasileiros ao longo das décadas de 1940, 1950 e 1960.

A partir de uma residência artística, Ricardo Castro fará ações em espaços públicos da cidade de Sorocaba que serão registradas em fotos e vídeos e publicadas no Google Maps, associadas aos locais onde aconteceram. Em suas redes sociais o artista irá revelar fragmentos dos registros destas intervenções.

Em performance que ocorre em 12/8 e 21/10 no auditório do Sesc Sorocaba, Deyson Gilbert apresenta uma aula em formato TED (Tecnologia, Entretenimento e Design), usando recursos como microfone, slides e envio de arquivos para um grupo de Whatsapp com as pessoas da plateia, com disseminação simultânea e posterior nas redes sociais.

Escrito por:

Juliana Ramos

Sobre verdades incertas ou Uma introdução

A segunda edição da trienal de artes Frestas de 2017 propõe um recorte que, por si, já representa uma fresta conceitual. Um espaço dinâmico de reapropriação das realidades que constituem a vida.
Ele se dilata e reconfigura, se expande e contrái, orientado pelas noções de pós-verdade e acontecimento, num processo de reciclagem de valores, sentidos, materiais, mas sobretudo dos olhares.
Através desta fresta não há resposta absoluta, mas um convite à observação das camadas de um processo gradual de implosão das certezas cotidianas, somado às poéticas que se evidenciam a partir disso, que transgridem, por sua vez, a rotina da própria história da arte.
O indivíduo contemporâneo conduz a mediação de sua experiência através dos ciclos de consumo, apropriacão e produção de conteúdos, constrói as identidades que representam seus valores e sentimentos em meio às possibilidades que a sociedade oferece e impõe. Um mosaico em processo de enriquecimento pelo contato com experiências de diversidade, numa encruzilhada entre as questões de transformação cultural, liberdades expressivas e moral.
Neste cenário enxergamos a diluição das verdades plenas numa solução de indícios parciais, cabendo ao indivíduo, munido de sua formação pessoal, adaptar-se a este contexto e formatar as visões do mundo que levará consigo.
Podemos perceber isso quando se torna necessário avaliar diversas fontes para descobrir se determinada celebridade realmente faleceu. Ou talvez durante o almoço, quando se come papelão desfaçado de carne. O exemplo torna-se óbvio na esfera política.
(Ou não).
Encontro uma tradução sensível do conceito neste trecho da canção de Tom Zé:


Suavemente prá poder rasgar
Olho fechado prá te ver melhor
Com alegria prá poder chorar
Desesperado prá ter paciência
Carinhoso prá poder ferir
Lentamente prá não atrasar
Atrás da vida pra poder morrer
Eu tô me despedindo pra poder voltar


A materialização da proposta curatorial no espaço se dá em tantos formatos e processos paralelos e/ou divergentes que a percepção dos discursos de cada obra se amplia e se encontra com a obra seguinte, possibilitando um universo de representação distorcido e aberto às traduções de cada leitor.

A exposição condensa esses questionamentos através dos trabalho de artistas brasileiros e estrangeiros, representantes de diversas gerações, em obras que demonstram a natureza múltipla da arte contemporânea, em seus processos e poéticas. Além da composição física da trienal Frestas no Sesc Sorocaba, também há obras espalhadas pela cidade, explorando o discurso artístico no contexto do espaço público e promovendo o encontro com a esfera inusitada da arte, assim como seus desdobramentos políticos. Este contato se estende para o meio virtual, pela presença de obras de arte digital e pelos olhares compartilhados neste espaço.
A Trienal de Artes Frestas estará em cartaz de 12/08 a 03/12.

Fotos: Adriano Sobral

Escrito por:

Wagner Linares

Nós, o Ponto…

Foto: Adriano Sobral

A impermanência é um fato.

A ideia de segurança e permanência é sempre, em alguma medida, ilusória. A maioria das coisas passam por nós e não ficam. Seguem seu trajeto, assumem outro rumo, passam tão rápido que nem temos tempo de pará-las, de olhar bem ou de pensar a respeito. Estamos um pouco saturados e nem tudo nos gera memória. Vivemos em meio ao excesso, com compromissos demais, gente demais, fatos demais e tempo de menos. Saber a que destinar nosso tempo, nossa vitalidade e atenção, torna-se uma tarefa cotidiana.

Com a audácia e a diligência de propor pautas, de interromper nosso ritmo e criar brechas na própria realidade reservadas às ideias, aos devaneios, à formação de sensos e de noções, atuamos no Ponto Digital, espaço online, dedicado às artes, às pessoas e ao Frestas.

Porque é tão difícil definir arte e todo o seu alcance? Como podemos nos relacionar com esse universo, tão distinto e ao mesmo tempo tão igual às nossas próprias linguagens? Ter um espaço destinado a perguntas pode ser mais interessante que o estabelecimento de respostas. Muitas vezes, reformular as indagações é mais importante que encerrá-las em conclusões.

Assim, o Ponto digital se dispõe como entremeio, se propõe intercessão. Tem a intenção de servir como liga entre os trabalhos artísticos trazidos pela segunda edição da Trienal (e todas as questões que com eles surgem) e nós – escritores, leitores, sociedade – estimulando o nosso lado mais curioso e questionador. O Ponto Digital quebra o compasso, irrompe no frenesi, nos atravessa de sopetão, mas pede instantes de respiro. Com toda sua virtualidade é, talvez, um espaço para contemplação. Não para a absorção passiva, apática e estanque. Mas para uma contemplação ativa, inquieta, viva e antenada, que pode abrir caminhos para a mudança, já que para alcançá-la, há que cruzar o percurso da análise. É, portanto, uma ponte para a observação. Um elo entre a arte e tudo o mais que circunda ao redor dela. Uma ponte onde nela a gente consegue parar, pensar, fitar a paisagem, gerar memória e seguir andando, sem ter que passar logo, e sendo, talvez, afetados por ela.

Escrito por:

Paola Fabres e Michelle Magrini