Matheus Rocha Pitta

Tiradentes, 1980. Vive no Rio de Janeiro

Em 1º de abril de 2016, durante uma residência em Berlim, Matheus Rocha Pitta instalou um calendário na vitrine de uma rua movimentada no bairro de Kreuzberg. Dividiu um mural de grandes proporções, criando um grid com 365 quadrantes, cada qual correspondente a um dia do ano. Em cada um desses espaços, colou uma imagem retratando as inúmeras manifestações políticas que vêm acontecendo ao redor do mundo, inclusive no Brasil. Todas foram extraídas de jornais, e a data indicada era sempre 1º de abril, o famoso Dia da Mentira ou, naquela circunstância, o momento de inauguração da obra – um hoje urgente e persistente. Para Frestas foi feita uma segunda versão de O dia da mentira, com fotografias publicadas na imprensa brasileira em 2017.

Jornais, moedas e mercadorias foram experimentados nos anos 1970 por Cildo Meireles como “circuitos ideológicos”, munidos não só de um conteúdo mas também de uma lógica de dominação por seus financiadores ou maiores detentores. Ao longo de sua carreira, Rocha Pitta tem refletido sobre tais circuitos e proposto usos críticos deles. Por meio de gestos simbólicos – como comprar quilos de escombros descartados pela gentrificação do Centro do Rio de Janeiro ou convidar pessoas para um banquete no museu subtraindo qualquer instrumento de servir (mesa, talheres) –, o artista pretende chamar a atenção do público sobre códigos, valores e projetos de poder muitas vezes implícitos nos mecanismos de troca.

Obras

O ano da mentira, 2017
jornal e papel japonês

Lina Kim

São Paulo, 1965. Vive em Berlim

O apelo de situações aparentemente sem apelo é um mote de trabalho para Lina Kim. Seu olhar parece encontrar interesse não em lugares nem objetos específicos, mas na brecha sutil, que a seu modo revela detalhes. Essas brechas têm uma visualidade delicada, exigem o tempo alargado, arrastado, demorado, esgarçado de uma escuta atenta, como essa enumeração disfuncional de verbos.

Em sua vasta pesquisa sobre a arquitetura de Brasília, por exemplo, que resulta em um  arquivo ou em fotos de lugares vazios e em aparente suspensão, a artista deixou  ver também o que não se entrega aos olhos. A série de desenhos apresentados em Frestas surgiu da observação da anatomia dos corpos de cisnes que vivem nos canais de Berlim, na Alemanha. Em um exercício extenso e meticuloso, Lina Kim recorre a uma linha magra, que, como uma partitura, carrega som e, por que não, escuta. As formas orgânicas dos corpos das aves são conjugadas a vetores geométricos, de raízes concretas. Uma vez levadas a interagir, essas formas supostamente antagônicas alcançam um equilíbrio construtivo.

Obras

Swanswanswan Series – Livelihood [Série Swanswanswan – meios de sobreviviência] , 2017
colagem, grafite, lápis de cor e nanquim sobre papel

Gustavo Speridião

Rio de Janeiro, 1978

“Da ideia a chama já consome/A crosta bruta que a soterra.” Essas duas frases compõem a primeira estrofe do hino “A internacional”. Durante a segunda edição de Frestas, pode-se ouvi-las soar do alto do poste próximo ao Terminal de Ônibus Santo Antônio, em Sorocaba. Essa intervenção revela o ensejo político presente nas ações provocadas por Gustavo Speridião, artista carioca que usa diferentes meios, como desenhos, colagens, pinturas, instalações, esculturas, fotografias e vídeos. Sua prática orienta-se para o questionamento do próprio fazer artístico no circuito profissional, elencando as relações do trabalho de arte como um fato político, que desconfia do lugar privilegiado da obra como objeto muitas vezes dotado de alto valor especulativo.

A pintura de Speridião se constrói com uma paleta de cores inscritas historicamente na herança do construtivismo russo, mas que não deve ser tomada apenas como referência a visualidades passadas. Nota-se que as telas costumam carregar o  frescor da tinta, que, mesmo seca, ainda escorre. Esse frescor faz as obras assemelharem-se a muros e paredes recém-pichados nas ruelas ou no alto dos prédios mais imponentes na cidade. Fruto da verve e da revolta juvenil, a desobediência do artista aparece de forma contundente em séries como Cartazes de agitação e Cartazes ginasiais. Os traços revelam insubordinação à história da arte e às escolas como instituições às quais Speridião responde por meio de visualidades fortes e precárias, comuns aos cartazes de protesto.

Obras

A Rússia, 2017
técnica mista

Animal, 2017
técnica mista

Animal, 2017
técnica mista

Sem título, 2017
técnica mista

Wanda Pimentel

Rio de Janeiro, 1973

Por muito tempo, os críticos de arte brasileira que analisaram a obra de Wanda Pimentel situaram-na para além do experimentalismo e das contestações políticas que caracterizaram parte da produção conceitual do país dos anos 1960 e 1970. Destacando especificidades, essas leituras ora relacionavam a pesquisa da artista com o construtivismo brasileiro ora com a nova figuração e a arte pop estadunidense. Mais recentemente, outras chaves de leitura vêm sendo propostas: o silêncio lírico, o mistério, o imobilismo, a figuração ambivalente – tão enfatizados como característica poética e estilística de Pimentel– foram repensados e reposicionados no contexto da arte política brasileira e do debate feminista.
Segundo o crítico Fernando Cocchiarale, a série Envolvimento marcou não apenas o início e os desdobramentos da trajetória de Pimentel, mas também sua identidade poética. O recorte exibido evidencia tanto o repertório particular da artista como seus diálogos recorrentes com movimentos artísticos locais e estrangeiros.

Obras

Envolvimento, 1973
acrílica sobre tela
Coleção João Sattamini, comodato no
Museu de Arte Contemporânea de Niterói

Sem título, 1968
vinílica sobre tela
Coleção João Sattamini, comodato no
Museu de Arte Contemporânea de Niterói

Sem título, sem data
vinílica sobre eucatex
Coleção João Sattamini, comodato no
Museu de Arte Contemporânea de Niterói

Sem título, 1969
vinílica sobre duratex
Coleção João Sattamini, comodato no
Museu de Arte Contemporânea de Niterói

Sem título, 1978
acrílica sobre madeira
Coleção João Sattamini, comodato no
Museu de Arte Contemporânea de Niterói

Sem título, 1969
vinílica sobre tela
Coleção João Sattamini, comodato no
Museu de Arte Contemporânea de Niterói

Sem título, 1970
vinílica sobre madera
Coleção João Sattamini, comodato no
Museu de Arte Contemporânea de Niterói

Sem título, da série Bueiros, 1970
vinil sobre madera
Coleção João Sattamini, comodato no
Museu de Arte Contemporânea de Niterói

Sem título, 2013
Coleção João Sattamini, comodato no
Museu de Arte Contemporânea de Niterói

Daniel Escobar

Santo Ângelo, 1982. Vive em Porto Alegre

Por meio de uma arqueologia e da apropriação de materiais, Daniel Escobar transmuta imagens efêmeras de consumo e desejo, como as geradas as geradas pela publicidade para o mercado imobiliário e turístico. Em Especulação imobiliária (2014), vitrines de acrílico foram parcialmente preenchidas com peças oriundas de jogos infantis de construção encapadas com impressos de divulgação de lançamentos imobiliários. Já em Anuncie aqui (2014), o artista instalou uma placa de outdoor no espaço expositivo, disponibilizando-o para locação e veiculação de anúncios comerciais.

Outra temática abordada por Escobar são as estratégias de publicidade do mercado de arte e os mecanismos de exibição da obra de arte, entre o âmbito privado das coleções e a esfera pública. Em Conjugado (2016), um ambiente doméstico, planejado por um arquiteto de interiores, ocupa o espaço expositivo. O arquiteto teve autonomia para escolher o cômodo, o mobiliário, a iluminação e a obra do artista que compõe a decoração do ambiente. Em A arte da conversação, que apresenta na Trienal, Escobar realiza acordos para retirar cinco letras da sinalização de diferentes estabelecimentos comerciais e com elas formar a palavra “sonho”. Unidas por um novo significado, cada uma das letras indica características tipográficas e materiais do local de origem, que, enquanto isso, lida com a ausência de uma das partes do seu letreiro externo.

Obras

A arte da conversação, 2012/2017
tipografia em metal dos estabelecimentos ESAMC Sorocaba, Chamonix
Plaza Hotel, Pet Shop Canino’s, Mecalight, Sex Shop Paradise
FOTOGRAFIAS André Pinto

Daniel Caballero

São Paulo, 1972

A cidade tem papel central nas investigações poéticas de Daniel Caballero. Para refletir sobre os usos e ocupações individuais e coletivos do espaço urbano, o artista costuma coletar materiais em terrenos baldios e áreas verdes, estabelecer parcerias e propor intervenções e ações ambientais efêmeras. Em Viagem pitoresca através do espaço ao redor da minha casa oferece parte das pesquisas, coletas, intervenções e ações ambientais que tem realizado em terrenos baldios, praças e áreas verdes da Grande São Paulo. Um dos objetivos é recuperar a história e as espécies originais de uma vegetação em extinção, a do cerrado, que predomina no Centro-oeste do Brasil, mas também aparece em uma cidade como São Paulo, onde Caballero reside e trabalha.
Por meio dessa pesquisa, o artista tece uma narrativa sobre uma natureza resiliente e, em paralelo, reúne indícios para refletir sobre a documentação de arte como amostragem de um processo que acontece na vida cotidiana, para além do museu e da obra. Desta maneira, aponta a inadequação de se pensar a arte de maneira autônoma ou encerrada em um objeto material. Mais do que pôr em prática um mapeamento de áreas verdes em risco, Viagem pitoresca… articula um conjunto de acontecimentos, intervenções e transformações. Tais gestos demonstram as possibilidades da arte como ato social e político, capaz de suscitar os devires – ou ao menos as utopias – das coisas e do mundo.

Obras

Viagem pitoresca através do espaço ao redor da minha casa 03, 2017
madeira, desenhos, plantas, vídeo

Gordura Trans

Sorocaba, 2017

Gordura Trans é um coletivo provisório criado a partir do convite de Miro Spinelli, que desenvolve o projeto performativo continuado de mesmo nome.

O projeto Gordura Trans é uma plataforma de pesquisa que propõe obras seriadas em performance, partindo da relação entre o corpo gordo e materiais gordurosos diversos para investigar os processos de subjetivação desses corpos e o modo como são percebidos.

O coletivo é formado, além de Miro, pelas performers Jota Mombaça, Jup do Bairro e Lucas Moraes e pelo fotógrafo Francisco Costa.

Obras

Gordura trans #16, 2017
performance
PERFORMERS CONVIDADAS Jota Mombaça, Jup do Bairro e Lucas Moraes

Gordura localizada #6, 2017
performance
PERFORMERS CONVIDADAS Jota Mombaça, Jup do Bairro e Lucas Moraes

Gordura saturada #3, 2017
performance
PERFORMERS CONVIDADAS Jota Mombaça, Jup do Bairro e Lucas Moraes

Pedro França

Rio de Janeiro, 1984. Vive em São Paulo

Através de gestos como rasgar, amassar, rasurar, colar, quebrar e manchar, Pedro França tem investigado formas de evocar um lugar de murmúrio e indeterminação, além de assumir como positivos, processos de desmontagem e destruição. Interessado em uma escala que possibilite experiências imersivas, seus trabalhos recentes estabelecem diálogos diretos com a Cia. Teatral Ueinzz, da qual é também integrante. Configura-se, assim, uma produção que se desloca entre o lugar dos objetos de cena, em peças de teatro, e o de obras de arte para exposições.
Em instalações como Ueinzz Mix #1 (Cais de ovelhas) (2015) e Especulante paraíso (2016), França combina estruturas, objetos e fragmentos de materiais diversos em emaranhados que parecem se multiplicar e proliferar como fungos, sem contornos bem definidos nem hierarquia evidente entre as partes. Roupas, tapeçaria e materiais como madeira, papéis, plásticos, alumínio e cimento são apropriados e virammatéria-prima das obras.
Na Trienal, o artista apresenta Archichroma (2017), um vídeo e uma instalação na área do anfiteatro externo do Sesc. A filmagem foi feita no período da montagem da mostra, usando a técnica de chroma key, bastante usada para se substituir o fundo de um estúdio por cenários projetados em imagem. Em Archichroma, por sua vez, são as figuras que se tornam superfícies de projeção, podendo então se camuflar e desaparecer ou serem vistas como outras coisas.

Obras

Archichroma, 2016
vídeo e objetos
AGRADECIMENTOS Yuli Yamagata

Maria Thereza Alves

São Paulo, 1961. Vive em Berlim

Um vazio pleno (2017) discute a omissão da presença indígena na história de Sorocaba. Em colaboração com o ceramista guarani Maximino Rodrigues, Alves confeccionou réplicas de urnas funerárias, moringas e cacos presentes no Museu Histórico Sorocabano. O material foi inserido em diversos pontos na região central da cidade, reinscrevendo sua presença no espaço público e no imaginário local.

Em diálogo com a família do líder guarani Joaquim Augusto Martim, fundador da Aldeia Yyty, no pico do Jaraguá, a artista convidou as educadoras guarani Eunice Martim e Poty Poran para realizar uma conferência sobre a realidade guarani no estado de São Paulo. A fala teve início no largo de São Bento, diante do monumento a Baltasar Fernandes, bandeirante fundador de Sorocaba, e foi seguida de caminhada até a praça Dr. Arthur Fajardo, junto ao monumento a Rafael Tobias Aguiar, fundador da Polícia Militar.

O conjunto de entrevistas em vídeo, apresentadas na unidade, foram gravadas com câmera de celular por estudantes indígenas no campus de Sorocaba da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), como parte de um workshop de arte contemporânea indígena ministrado pela artista.

Obras

Um vazio pleno, 2017
técnica mista
FABRICAÇÃO DE CERÂMICA Maximino Rodrigues, Michely Aquino Vargas, Aldeia Jaguapirú
WORKSHOP DE CERÂMICA Giselda Pires de Lima Jera, Aldeia Tekoa Kalipety
PALESTRA Poty Poran Turiba Carlos, Aldeia Tekoa Tenode Porã e Eunice Augusto Martim, Aldeia Tekoa Yyty
FOTOGRAFIAS Michely Aquino Vargas
ASSISTENTE DE PROJETO Wilma Lukatsch
POSTER Valeria Hasse
PRODUÇÃO E DIREÇÃO DOS VÍDEOS  PET Conexões Saberes Indígenas ( tutoria: Profa. Dra. Monica Caron ; estudantes: Alberto Cruz, Jeika Kalapalo, Jheniffer B. Oliveira Pêgo, Kelly Holanda B. Caetano, Laerte R. Tsimbarana’õ, Lucas Pinto Quirino, Lucilma I. Spinelli, Nailson M. Tomaz, Rayana da S. Freire, Rosângela B. Braga, Samuel Afonso e Solange T. Paique)
EDIÇÃO DE VÍDEOS Bruno Lotelli
AGRADECIMENTO Universidade Federal de São Carlos – Campus Sorocaba (UFSCar); Museu de Arte Contemporânea de Sorocaba (MACS); Associação Bethel; Capela Senhor do Bonfim João de Camargo