Deyson Gilbert

São José do Egito, 1985. Vive em São Paulo

“A senhora D., dona de casa, casada, 74 anos, recebeu o diagnóstico de uma psicose incomum devido à sua crença de que seu marido fora substituído por um outro homem. Ela se recusou a dormir com o “impostor”, trancou seu quarto à noite, pediu uma arma ao seu filho e lutou contra a polícia que tentou hospitalizá-la. Ela reconhecia outros membros da família e confundia apenas seu marido.” A partir da análise desse caso, ocorrido em 1923, o psiquiatra francês Jean Marie Joseph Capgras passou a reconhecer a doença que denominou ilusão dos sósias, e que depois veio a se tornar a Síndrome de Capgras, em sua homenagem. Nela, ocorre uma quebra entre a memória visual e a afetiva, fazendo com que um conhecido se apresente como estranho.

O que teriam em comum a síndrome de Capgras, a Apotemnophobia, As meninas, de Velázquez, David Carradini, e Chelsea Manning? Aparentemente desconexos, esses temas e personagens são reunidos na performance Plums of Chelsea Manning [As ameixas amargas de Chelsea Manning]. Sozinho, no palco escuro do teatro do Sesc Sorocaba, Deyson Gilbert fala uma língua inventada, próxima do alemão, envia mensagens por whatsapp para o público e exibe slides com o auxílio de um desconhecido eleito no momento da apresentação. Organizada como uma peça de cinco partes, a apresentação invoca temas da experiência sensível do mundo, da falta, de ações inconscientes, e do fim da história. Grandes, complexos e insolúveis, esses conceitos são costurados por meio de uma lógica associativa, e também da estranheza, produzindo o fascínio da aproximação de um mistério a ser solucionado. Afinal, certos processos estão visíveis e presentes, mas algo acontece e não os reconhecemos, como o marido da senhora D.

[J. A]

Gala Berger

Villa Gesell, 1983

Uma casa de chá aberta para conversas e onde cada artista criava um sabor da bebida para vender; uma galeria chamada Inmigrante para provocar o costume dos argentinos não se sentirem locais, mas “imigrantes europeus”; um museu alocado em um pequeno espaço cuja coleção está guardada em um HD, com instruções para a montagem das obras em cada exposição. Esses são os espaços fundados, com outros artistas e curadores, por Gala Berger, artista que alia a produção de suas obras a ações públicas, políticas e coletivas de criação de ambientes. Esses projetos dedicam-se a apoiar o trabalho dos artistas contemporâneos na Argentina e buscar uma poética mais engajada com questões políticas.

Com a clareza de que não há diferença entre o alternativo e o mainstream, as possibilidades de trânsito entre a arte e a crítica institucional são a base conceitual dos projetos de Berger. Em práticas voltadas à organização de espaços e obras, apresentou Cipher (2014), uma proposta de curadoria da coleção da Galeria Ruth Benzacar, de Buenos Aires, apresentada em seu estacionamento. Já na performance La montaña que come hombres (2017), realizada no Museo Historico de Villa Gesel, adicionou à narrativa da instituição documentos que tratavam da presença boliviana na cidade, fundamental para sua construção e invisibilizada em seu imaginário.

Nesta segunda edição, a Trienal dá mais um passo para construir sua identidade e presença no cenário brasileiro e internacional da arte contemporânea. Neste história ainda breve, o evento ainda não constava na Wikipedia, ausência que permitiu uma ocupação de Berger deste espaço de representação institucional. Por meio de uma escrita ficcional mas verossímil, Frestas – Trienal de Artes de Sorocaba foi descrita pela artista fazendo menções diretas (ou links) a algumas pautas do fatídico ano de 2017, em que a esquerda, os direitos humanos e civis estão ameaçados por uma direita em ascensão. O verbete foi dividido em: Sur? Sul? South?, Contra el capitalismo, disidencias y salvajismos e Manos arriba no disparen. Ao inventar relatos de quatro (e não apenas duas, como de fato aconteceu até agora) edições da mostra, Berger apontou possíveis encontros e conflitos entre a arte e a política em um presente incerto e um futuro em (des)construção.

Bruno Mendonça

São Paulo, 1987

Identidades mutantes, o “eu” fragmentado e a flexibilização de papéis no mundo do trabalho são ideias cada vez mais presentes em nosso cotidiano. Ainda em disputa, esses conceitos tendem, por um lado, a se alinhar com o biopoder, por meio do qual o estágio atual do capitalismo fragmenta os direitos dos cidadãos e se insere em sua vida digital, ou second life, gerando mais capital. Por outro lado, certas flexibilizações também apontam para experimentos e somas que possibilitam situações antes pouco imaginadas. No início dos anos 2000, o artista Ricardo Basbaum apostou no conceito “etc” para tensionar as categorias de trabalho convencionadas no sistema das artes visuais: “Quando o artista questiona a natureza e a função de seu papel como artista, escreveremos ‘artista-etc’ (de modo que poderemos imaginar diversas categorias: artista-curador, artista-escritor, artista-ativista, etc)”.

Artista-etc (ou curador-etc, performer-etc), Bruno Mendonça se coloca como um agente que transita entre dentro e fora desse sistema. Por meio de zines, mostras ou de vocalizações ao microfone, cria ambientes e plataformas – muitas vezes temporárias – para discutir e problematizar não só o meio artístico, mas também sexualidade, gênero, ou quaisquer categorias fixas da cultura e da vida na cidade. A internet é mais um dispositivo para sua produção, e esse foi o ambiente em que desenvolveu suas frentes de trabalho para Frestas, por meio de postagens que, após um tempo em diferentes mídias sociais, se transformam em uma rede discursiva, uma espécie de narrativa hipertextual. Uma performance com formato que transita entre o spoken word, a lecture performance e o one man band show, será realizada na ágora do Sesc Sorocaba onde o artista visitará este conteúdo em processo complexificando essa rede e as relações entre performance e performatividade.

Angélica Freitas e Juliana Perdigão

Pelotas, 1973, Belo Horizonte, 1979. Vivem em São Paulo

Como em um diálogo mediado por regras invisíveis, talvez probabilidade, frequência, telepatia ou espionagem, o Google atribui desfechos para expressões inseridas em seu mecanismo de busca. Para “modos de”, surgem prontamente as opções “modos de pagamento”, “de mocinha” e “de organizar um texto”. Para “coisas que voam” aparecem links de discos voadores e drones. Não aparecem helicópteros, aviões nem tampouco o Super-tucano, aeronave que, por transportar grandes quantidades de droga a mando de ministros e parlamentares em exercício e até agora impunes, entraram para a história da crise política que o Brasil enfrenta desde que vieram à tona casos de corrupção no congresso e em empresas estatais como a Petrobrás, em 2014. Parafraseando essa sorte de escrita associativa – arbitrária, embora aparentemente automática –, Angélica Freitas iniciou uma série de poemas dedicados a vincular as narrativas soltas do caso, ao modo rir para não chorar, ou escrever de próprio punho, já que o esquecimento parece previsto.

Nas páginas de caderno da autora, voam lado a lado um padre atado a balões de hélio, versos oitentistas d’As Frenéticas, os apelidos impublicáveis de um senador envolvido no caso, urubus lindos e fiéis. Para o sarau Macrofonia, que aconteceu na Casa da Luz, em São Paulo, em junho de 2017, esses textos ganharam novas associações em som e imagem. Munida de um disparador de trilhas pré-gravadas, a musicista e atriz Juliana Perdigão interpelou a leitura ao vivo de Angélica com entradas ora rítmicas, ora ambientais, ora existentes apenas para enfatizar ainda mais o que o curso das coisas poderia deixar passar. Como um exercício de cocriação entre duas interlocutoras de diferentes campos, e os aparatos de discurso de seu tempo, “coisas que voam” continuou após este primeiro evento.

A convite da Trienal, a série ocupa o Facebook e o Youtube.

Ricardo Càstro

São Roque, 1972. Vive entre São Paulo e Rio de Janeiro.

Abravanar é um verbo inventado para designar modos de liberar energia vital em interação com elementos de uma memória cultural, hora abstratos, hora claramente referendados nas festas populares, nos cultos religiosos e na mídia de massa. Quem abravana pode expandir-se a partir da experiência sensível de cores e luzes, da música dita como mantra, do corpo que recebe, transpira e conecta. Ricardo Càstro abravana desde o início dos anos 2000 e isso lhe rendeu uma trajetória de manifestações tanto artísticas quanto espirituais, tanto suas, às vezes íntimas, quanto de outros, parceiros e públicos, aos quais oferece beleza em busca empatia e troca.

Wava dispõe de três portais: o Canto platina, o Naco da escada e a Mesa de centro. Em prata, dourado e cristal, respectivamente, eles propiciam rituais de meditação. Uma vez ativados em sua totalidade (assim pede o artista), aguçam a percepção de uma onda que, embora invisível, possui alta frequência e capacidade de alastrar-se e intensificar-se. Dali para a cidade de Sorocaba, na qual passou um mês em residência, ou para a internet, onde amplificou essa presença e possíveis interlocuções em redes sociais como o Google Maps e o Instagram, Ricardo foi espalhando pistas, criando vias de acesso na forma de pequenos convites. Das geometrias à deriva cigana, passando por tarô na praça, performance diante do monumento oficial, caras e bocas, tudo é frugal e exuberante, mas é bom lembrar: a exuberância é só um pretexto abravanista.

Obras

Wava, 2017
técnica mista
PARTICIPAÇÃO André Bragança, Gabriel Junqueira e Marcelo Fagge

WAVA é uma onda invisível, que pode emanar de três elementos (portais) aqui dispostos em triangulação. Neste espaço, qualquer pessoa pode ativar a onda. A sequência de interação com os elementos deve ser definida por cada participante, assim como o ritmo da vivência. Se sugere entrar sem sapato. As possibilidades de interação sugeridas são:

Canto Platina _RECEBER
Deitar no canto e permanecer desta forma até entrar na frequência do raio platina. Aqui o tom é do descanso, da meditação, da atenção na respiração, da internalização da energia – sintonização.

Naco de escada _GRITAR
Subir no segundo degrau do volume, concentrar o pensamento em algo com que queira romper e daí gritar muito alto (o mais forte possível). Aqui o tom é de radicalização para movimentar energia pelo impulso, da possibilidade de trazer questões internalizadas para o campo externo – liberação.

Mesa de Centro _DIALOGAR
Conversar com o bola de cristal de forma mental, sem tocá-la. Ver a sua sorte, visualização. Aqui o tom é do entendimento, da reformulação e da possibilidade de redirecionamento das idéias – redesenho.

Guerrilla Girls

1985, vivem nos Estados Unidos

Em 1985, em diálogo com os movimentos feministas e dos direitos civis estadunidenses, um grupo de mulheres artistas e ativistas começou a desenvolver ações cujo intuito era expor o sexismo e o racismo no mundo da arte. Anônimas, usam máscaras de gorilas e adotam pseudônimos para evidenciar o apagamento das mulheres na história e na arte contemporânea. Usando dados estatísticos e estratégias de circulação que combinam a discursividade das vanguardas modernas e da arte conceitual com a didática das militâncias políticas, o coletivo produz campanhas bem humoradas e persuasivas.
Depois de décadas atuando fora do circuito e do mercado de arte, as Guerrilla Girls começaram a levar suas ações para o interior dos grandes museus. Agora, seus cartazes fazem parte do acervo de importantes instituições. Essa inserção não esmaeceu o discurso crítico do coletivo. Pelo contrário, ampliou seu alcance e o vinculou a uma rede de interlocuções, como a que sustenta o projeto Complaints Department [Departamento de reclamações], montado na Tate Modern em 2016 e, agora, nesta segunda edição da Trienal, com uma versão também na internet, em departamentodereclamacoes.com

Obras

The Guerrilla Girls Complaints Department
[Departamento de reclamações das Guerrilla Girs], 2017
instalação
AGRADECIMENTO Museu de Arte de São Paulo (MASP)

Do Women Have to be Naked to Get Into the Met. Museum?
[As mulheres precisam estar nuas para entrar no Met. Museum?],
1989-2017
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Free The Women Artists [Libertem as mulheres artistas], 2006-2017
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Disturbing the Peace [Perturbando a paz], 2009-2017
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Dear Billionaire Collector [Querido colecionador bilionário], 2015
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Escola da Floresta

São Paulo, 2016

Transmissão ao vivo da leitura do Relatório Figueiredo, um documento de 7 mil páginas produzido em 1967 pelo procurador Jader de Figueiredo Correia a pedido do ministro do interior brasileiro Afonso Augusto de Alburqueque Lima. Descreve violências praticadas por latifundiários brasileiros e funcionários do Serviço de Proteção ao Índio contra índios brasileiros ao longo das décadas de 1940, 1950 e 1960. O Relatório ressurgiu quase intacto em abril de 2013. Após ser supostamente eliminado em um incêndio no Ministério da Agricultura, foi encontrado no Museu do Índio, no Rio de Janeiro. Fábio Tremonte realizou essa leitura ao vivo em uma exposição em 2016.

Obras

  • Escola da Floresta [Leitura pública do Relatório Figueiredo]
    mídia: Facebook, transmissão ao vivo
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