A dissipação de uma disciplina

A pintura traz com ela mesma uma sobrecarga em seus ombros. Carregou séculos e séculos de história durante todo esse tempo e acumulou nomes de peso na memória. Depois da precisão iluminista de Sanzio, da dramaticidade questionadora de Caravaggio, da subjetividade traduzida em luz e bruma de Turner ou do achatamento espacial de Cézanne, nos resta ainda alguma via de diálogo original com a pintura na situação contemporânea? Se ela assumiu o posto de disciplina soberana da história da arte, sendo linguagem protagonista perante as demais, como lidar com essa técnica e toda sua tradição nos dias de hoje?

Rafael Alonso, artista do Rio de Janeiro presente no Frestas, nos aponta alguns caminhos. Faz uso dos mesmos códigos – da tinta, da cor, da mancha e do suporte –, mas os repensa a partir dos atributos e das premissas que regem nosso tempo. A gama cromática se reconfigura e incorpora novos pigmentos; o suporte também é repensado e assume bases e formatos variados. Ao subverter o canvas, apostando em materiais plurais e corriqueiros, amplia-se o léxico da própria pintura.

Mas sua produção prevê não apenas uma reordenação do vocabulário pictórico, como também sugere uma consciência de contágio entre a técnica e o seu contexto. Um observador das visualidades atuais, o artista coleta fragmentos do nosso imaginário coletivo e os reorganiza a partir de um atencioso exercício de relação entre objeto e espaço. Muito além da peça isolada disposta na parede, seu trabalho ativa um campo de interlocução e de negociação entre as partes – entre todo o conjunto de quadros reunidos no espaço expositivo.

Essa diagramação de recortes permite uma aproximação com a imagem em si, mas permite ainda mais uma problematização do vínculo que se estabelece entre imagem e a circunstância na qual ela está inserida. Quem entrar na exposição e chegar até o trabalho de Rafael poderá acessar o universo da pintura. Acessará também estratégias possíveis de edição de uma realidade.



Rafael Alonso, Sexto mundialito de maiô artístico, 2017 técnica mista

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Paola Fabres

Territórios Contínuos em Permanência

Bienais, trienais, feiras e grandes exposições, como bem sabemos, tornaram-se modelos recorrentes e proliferados. A esfera etérea e subjetiva da arte flertou faz tempo com a indústria cultural, o que deu margem a esse formato do big-evento. O Brasil, de certa forma, é precursor nesse processo, já que inaugurou a segunda bienal da esfera global com a de São Paulo (1951), vindo atrás apenas da tradicional Bienal de Veneza (de 1895). Mas é pelas décadas de 80 e principalmente a de 90 que essa configuração do grande evento vai replicando-se pelas várias geografias e se adaptando às diferentes conjunturas culturais, ocupando as regiões centrais e seus arredores.

A grande exposição traz junto com ela o volume de obras e nomes, o levante de temas de debate, o impacto – seja esse qual for – e não podemos esquecer, também, o alto custo. Então, provoco: para que? Para que o esforço, a logística, a estrutura e a mobilização? Por que não alocar recursos direcionados para os pontos de vulnerabilidade que tão bem podemos reconhecer no nosso cenário atual? Por que não canalizar fundos e energias para o extrato social mais suscetível ou por que não pensarmos em respostas poéticas que solucionem, de fato, nossas carências de maneira mais prática e funcional? Entramos aqui na questão sobre a funcionalidade da arte. Questão tão cara, tão debatida, cujas conclusões são tão pouco unívocas.

Nossos estímulos, quase sempre, visam finalidades. Movemo-nos pela sensatez e pela eficácia imediata, mas nem todo resultado é quantificado de forma palpável. A prática artística carrega consigo outras potências, menos objetivas ou pragmáticas. O objeto simbólico traz outra serventia, nem o remendo, nem o ajuste, mas a formação do olhar. A geração de criticidade, nesse caso, sobrepõe-se à ação. Assim, estamos lidando com práticas sensíveis nada resolutivas que não buscam o discurso paternalista, nem funcionam sob a lógica do assistencialismo. Se assim fosse, perderiam sua capacidade de reverberação. Se debilitariam de sua faculdade de contemplar outros tempos e outros espaços através de um argumento que atua como ponto de partida. Não conseguiriam aproximar os diferentes a partir do mesmo problema. Se resolvessem falhas pontuais, reparando os furos mais perto de nós – que tanto precisam de amparo – deixariam de abraçar as tantas outras fissuras que não estão ao nosso alcance, perdendo sua rara capacidade de tratar de aspectos específicos para abranger planos gerais. Seu mote toca a formação. Uma formação, claro, de outro tipo, como sempre nada súbita, mas que junta o simbólico e o afetivo à cognição.

À arte, a resposta não lhe pertence, sua gramática é a indagação.

Bienais ou trienais comprometem-se com a continuidade. De certa maneira, apresentam-se como esse big-evento que mais do que estruturas de entretenimento cultural, mais do que dispositivos que permitem a apresentação de artistas e proposições para diferentes grupos sociais ou mais do que plataformas que possibilitam o fomento e a divulgação da produção do campo artístico, tratam-se de programações que incitam a dúvida e o estranhamento – matérias e narrativas de uma outra ordem – para deles extrairmos a reflexão. Prometem um debate seguido, ainda que as discussões mudem de nome ou forma. Seu maior e principal desafio é tornar-se contínua, não no que diz respeito a sucessão de suas próximas edições, mas sobrevivente nos próprios interstícios, entre uma e a outra. Como garantir a permanência do questionamento nos intervalos que perpassam esses períodos? Como evitar que o término de um evento encerre junto com ele todo o rumor que criou ou todo o eco que gerou? Não deve ser uma conformação de teatro italiano. Não deve ser este palco cênico que abre e fecha suas cortinas, que pede vaias ou aplausos e apaga a luz no fim do dia. O objeto simbólico demanda o pensamento e ele pode ser contínuo. A questão é entendermos como fazer essa continuidade tornar-se permanente.

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Paola Fabres

7 Obras Capitais

Pecado
2. p. ext. desobediência a qualquer norma ou preceito;


A quebra de paradigmas, o questionamento sobre pré-conceitos ou sobre a concepção de incômodos que se estabelecem a partir do olhar normativo são fatores que podemos encontrar em algumas das obras citadas logo adiante. Seria uma coincidência pensar que esses trabalhos colocam em xeque noções impostas pela sociedade ou até pela própria igreja? Poderíamos aproximá-las do que conhecemos como pecados capitais? Neste momento, sem nenhuma contrição, buscarei tal qual São Tomás de Aquino, propor algumas associações.

Ira

Foto: Iuri Fioravante

Sem título 2 / Sem título 4 / Sem título 5 | Yara Pina (Goiânia, 1979)


Considerada pela Bíblia um dos pecados que mais desperta o pior em nós, a ira, o descontrole, a impaciência, o rancor e a intolerância, infelizmente estão cada vez mais expostos na nossa sociedade. Ao trazer isso à suas instalações, Yara Pina nos dá a sensação de que algo violento aconteceu por ali recentemente. Objetos carbonizados arremessados contra parede, golpes de facão, tudo é criado a partir da ação performativa que deixa resíduos e evidências inerentes de um ser humano provocado, encurralado e sem controle. Mais do que uma cena de impetuosidade, pode ser interessante perceber que o corpo em fúria que figura esse espaço, está também constituindo traços e marcas que representam ele mesmo.



Avareza

Foto: Danilo Silva

Rede de artistas de diversas regiões do Brasil.

Propinas, troca de favores, tráfico de influências, são algumas das transgressões cometidas por avarentos. O que leva um político ou representante do seu povo a cometer crimes em benefício próprio? Apego a bens materiais, ganância, são pecados condenáveis pela Igreja e pela sociedade em geral. Uma rede de artistas de todo Brasil evidencia narrativas que vem sendo encobertas há mais tempo, lembrando-nos que a conduta de figuras relacionadas a governabilidade de um Estado deve ser um tema público. Nesse caso, a ideia de avareza apresenta-se como temática e não como recurso para a construção da obra. No Frestas, O Nome do Boi também terá oficinas gráficas, encontros e procissões pelas ruas da cidade.

Preguiça

Foto: Iuri Fioravante

Passa Logo | Daniel Lie (São Paulo, 1988)

Na vida corrida em que vivemos, indo de casa para o trabalho, do trabalho para casa, nossa temporalidade vem sendo comprimida e a pressão pela rapidez, pelo dinamismo e pelo resultado torna-se uma cobrança constante. A preguiça, portanto, cada vez mais é vista como um pecado pela sociedade. Parar e apreciar tornou-se coisa rara, ainda que o fim de nós se aproxime, cada vez mais, a cada segundo.

Na obra Passa Logo, situada na passarela que conecta os dois prédios do Sesc Sorocaba, o artista apresenta uma instalação que remete às estruturas decorativas de pontos comerciais, formada com vegetações que sofrem com a ação do tempo. Ali, o próprio trabalho e a localização onde ele foi inserido nos lembram da pressa que os dias de hoje nos impõem.

Luxúria

Foto: Danilo Silva

Realize Suas Fantasias | Dias & Riedweg (Rio de Janeiro, 1964 e Lucerna, 1955)


O pecado associado ao sexo, ao prazer carnal, ao desejo pelo corpo em si é a luxúria. Correndo o risco da má interpretação, associada meramente ao regojizo ou ao fetiche, a sexualização do corpo tem sido objeto de diversas obras no campo da arte. Em Waiting for my Model (Esperando meu modelo), Dias e Riedweg apresentam uma videoinstalação sobre o trabalho de Charles Hovland que, durante cerca de 20 anos, tirou fotos dos desejos e das fantasias mais secretas de homens, mulheres e transexuais. Ao criar uma tipologia de desejos alheios, quase como uma categorização de fetiches coletados pela cidade, podemos inferir que a luxúria – ou o pecado -, a partir da obra de Dias e Riedweg, é mais recorrente do que pensamos e possivelmente constituinte no imaginário coletivo e nas subjetividades pessoais.


Gula

Foto: Iuri Fioravante

Gordura Trans | Miro Spinelli (Nova Friburgo, 1990)

Na época do Antigo Testamento, o excesso de peso era visto como abundância e êxito pessoal. Mas com o passar do tempo, a glutonaria começa a ser encarada como pecado, pois como todo excesso, passa a ser visto como vício. Agora imagine um corpo acima do peso, sem uma identidade de gênero convencional ou demarcada e totalmente nu. Ao se expor de forma descoberta enquanto se besunta, Miro Spinelli atrai olhares de todos os tipos: desde os curiosos e admirados, até os inconformados. Todavia, mais importante que isso, nos faz questionar o motivo de tentarmos definir o ser humano a partir de categorias binárias e estereotipadas. Miro se reveste da própria matéria que configura sua exclusão. Evidencia, através da gordura que manipula e do corpo que expõe, o motivo saliente dos preconceitos conformados socialmente.


Inveja

Foto: Iuri Fioravante

Donde Nada Ocurre | Irene de Andrés (Ibiza, 1986)

Andando lado a lado com a soberba e avareza, a inveja é, talvez, o mais corriqueiro dos pecados. Desejar a fartura do próximo, não é apenas uma conduta própria do indivíduo, mas também de coletivos ou localidades. Qual é o melhor destino? Quem atrai mais turistas ou quem tem a melhor configuração econômica? Podemos perceber a competitividade entre centros e cidades que sofrem processos de espetacularização e visam propor a melhor oferta para seus viajantes ou visitantes. Mas vale lembrar que, em muitos casos, essa construção do espetáculo acaba gerando o esvaziamento da identidade do local. Na obra Donde Nada Ocurre, Irene de Andrés investiga o processo de decadência de cinco discotecas abandonadas em sua cidade natal, Ibiza, e os efeitos a longo prazo desta perda de identidade que busca a adequação aos desejos hedonísticos da vida turística.

Soberba

Foto: Matheus José Maria/CPA

Público | Celina Portella (Rio de Janeiro, 1977)

Por fim, temos aquele que é considerado a raiz de todos os pecados, a soberba. Todos temos dentro de nós alguma parcela de orgulho e o desejo pela visibilidade, fato que podemos perceber através do número crescente de celebridades instantâneas, que muitas vezes desaparecem da mídia tão rapidamente quanto surgem. Seria a fama a melhor forma de reconhecimento? O impacto que a admiração e a congratulação pode causar no ser humano pode ser sentido se você ficar alguns minutos junto à obra de Celina Portella. Salvas e aclamações disparadas para o próprio espectador que torna-se, ele mesmo, protagonista da obra. Dificilmente verá uma pessoa que não saia com um sorriso envaidecido depois de voltar daquele corredor escuro.

Mas podem ficar tranquilos, aqui ninguém será julgado ou condenado. Venham visitar todas as obras!

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Danilo Silva

Gordura Transforma

Começou. E lá está o ser humano no seu estado mais primitivo. Nu. Estão ali também cinco tonéis de metal azul cheios de banha. O sebo bovino, que se usa pra fazer sabão, endureceu dentro do recipiente e precisa ser remexido e arremessado ao chão. Corpos tatuados, lisos, peludos, femininos e masculinos se misturam ao material revirado. O gênero dessas quatro pessoas que vejo não me parece importante. São pessoas.

O piso fica escorregadio e os movimentos lentos precisam ser mais fortes e precisos. Gordura treme.

Fico com vontade de me aproximar e oferecer ajuda quando vejo que todos param ofegantes. Já existe cansaço em seus olhares. Vão se formando pequenos montes de sebo pelo chão. Ouço diversas pessoas dizendo que o cheiro da banha é insuportável. Gordura incomoda.

O artista, Miro, se inclina sobre os tonéis. Talvez mais fácil do que tirar a banha de dentro, seja esfregar o corpo diretamente nela. Senta e respira fundo. Gordura cansa.

Os corpos estão cobertos de suor. Gordura frustra.

Por maior que seja o esforço de todos, parece que a banha não quer sair. Quem sabe se deitarem? Um a um, os barris cheios vão sendo virados para o chão. Gordura pesa.

Sentados, agora eles tentam pisar no sebo endurecido. Aos poucos o material se solta e cai ao redor deles. Gordura esparrama.

O cheiro ainda incomoda algumas pessoas. Gordura afasta.

A tensão se dissipa entre eles, as pessoas ao redor não importam. Estão todos confortáveis no meio de toda aquela bagunça. Alguém pisoteia a gordura enquanto um corpo balançava no chão, eles riem. Rio eu também. Gordura também é leve.

Gordura Trans de Miro Spinelli é um projeto seriado em três partes. Este texto descreve a primeira ação intitulada gordura trans, apresentada em Frestas em 11/08.  

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Juliana Ramos

O Planeta Soro Acaba

Ilustração: Wagner Linares

Hoje faz exatos 2017 anos que os habitantes do planeta Soro vivem pacificamente, todas pessoas do bem e de bem, ótimos hábitos e costumes, quase inertes, nada os tirava do sério.
A não ser aquilo que ocorreu três anos atrás…
“Mas é melhor não falar sobre isso, afinal já faz tempo e hoje estamos protegidos”.
Assim pensavam os nativos daquele planeta centralizado no universo.
Invasores descobriram uma fresta na barreira do passado e uma nova invasão é iminente. Seres estranhos, das mais variadas cores e formas, surgem, irrompendo no dia a dia dos moradores de Soro. Tomam escadarias, pontes, casas e fachadas de prédios.
“É preciso resistir antes que invadam nossas mentes!”, brada um representante qualquer.
Tarde demais, Soro foi invadida e trouxe à tona o maior medo de todos: a reflexão.


O texto acima é inspirado na obra Grão (2016), de Letícia Ramos, que está presente no Frestas – Trienal de Artes que comenta o desequilíbrio de uma colônia humana pós catástrofe.

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Danilo Silva

Ações e Extinções

Jardim Botânico de Sorocaba, Brasil.
A arte pode colocar a natureza em risco?
A ironia acontece todos os dias. Imburana, espécie de árvore em extinção, vem sendo transformada em objetos artísticos e artesanais como carrancas, esculturas, imagens de santos e matrizes para xilogravuras. Turistas encantados e, talvez também desavisados, acabam colaborando com um processo de degradação do meio ambiente.
Seu tronco é especialmente procurado pelas abelhas que criam suas colmeias na parte interna das árvores. Com a derrubada ilegal, todo o ecossistema do sertão do Brasil, da América do Sul (do Peru à Argentina) e especialmente do sudoeste da Floresta Amazônica, acaba prejudicado.
De posse desta informação, a preocupação também passou a ser dos apicultores, pesquisadores e artesãos, que acreditam que o tombamento seria uma solução para inibir a derrubada.
Edson Barros, artista participante da segunda edição do Frestas, também faz uso da Imburana na constituição de seus trabalhos. Talvez você esteja se perguntando porque uma Trienal de Artes possibilita interferências em locais onde menos deveríamos intervir: na natureza em seu estado pleno. Mas aqui, no Jardim Botânico da cidade de Sorocaba, local escolhido por Edson, a ação proposta é diferente. Ao invés de corroborar a extinção, o plantio da árvore vira proposição de obra de arte, garantindo, pelo menos aqui, sua permanência por mais tempo. Obra viva, em constante crescimento, literalmente. Trata-se, então, do caminho inverso: da arte sendo devolvida à natureza.


“É importante aproximar a arte das questões ambientais, tornar o problema visual. Apontar para além, mostrar essas obras faraônicas que degradam o ambiente e a falta de política ambiental.”

Edson Barrus

No momento em que o ato de plantar uma muda, em meio a uma trienal, passa a ser um ato de provocação sobre o debate, lembramo-nos que a arte, por vezes, cumpre o papel de lançar questões e de germinar consciências.

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Danilo Silva

Frestas na internet

Foto: reprodução Instagram Bruno Mendonça

Há 20 anos usava-se muito a expressão “entrar na internet”. Como se fosse possível abrir uma porta e de alguma forma chegar a este espaço novo e cheio de infinitas possibilidades. O “mundo virtual” era um lugar a parte, de onde entrávamos e saíamos acompanhados de um característico som da conexão analógica.

O mundo mudou. O espaço virtual se expandiu e tomou conta de nossos hábitos diários desde o momento em que acordamos. A conexão é permanente, constante, infinita. Não há divisão de territórios e estamos todos presentes no mesmo lugar, conectados a tudo e todos, 24 horas por dia.

Desta forma, nada mais natural que a Trienal ocupe também este espaço como uma extensão da própria mostra. Com curadoria de Ana Maria Maia e Júlia Ayerbe, um grupo de artistas foi convidado para interferir em diferentes plataformas digitais. Listamos aqui o caminho a seguir para acompanhar Frestas na internet sem se perder.

A argentina Gala Berger, questionando sobre a credibilidade dos conteúdos webs, apresenta o projeto de escrita e monitoramento de um verbete na Wikipedia, enciclopédia multilíngue colaborativa. Escrito em castelhano e passível de interferência dos públicos, a obra está no ar desde 11 de julho.

Angélica Freitas ocupa a rede social que mais abriga conteúdo no mundo, o Facebook. Em postagens pontuais, sonorizadas por Juliana Perdigão, um episódio da política brasileira é abordado através de analogias com o cotidiano num encontro entre poesia e música, despertando sensações que transbordam do virtual.

O Departamento de reclamações das Guerrilla Girls abre espaço na web para o recolhimento de queixas das pessoas que não poderão visitar a exposição presente no Sesc Sorocaba. Além de expressar suas objeções, o público pode compartilhar o link, aumentando assim o alcance do trabalho.

Bruno Mendonça cria o projeto onde está o que se o que está em porque que consiste em intervenções em circuitos variados que tangenciam a exposição, criando uma rede discursiva, uma espécie de narrativa hipertextual. Desde agosto de 2017, o artista tem desenvolvido conteúdos específicos nas redes sociais, sempre indexados com a hashtag #frestas2017, a mais popular entre os visitantes da trienal. Esses conteúdos infiltram uma perspectiva pessoal e desviante na memória coletiva e institucional do evento. Em 21/10 o artista realiza uma performance com formato que transita entre o spoken word, a lecture performance e o one man band show, na ágora do Sesc Sorocaba onde visitará este conteúdo em processo complexificando essa rede e as relações entre performance e performatividade.

Em Escola da Floresta, Fábio Tremonte ocupará o Facebook  ao vivo de 28/8 a 1/9, através de uma transmissão da leitura do Relatório Figueiredo, um documento de 7 mil páginas produzido em 1967 pelo procurador Jader de Figueiredo Correia a pedido do ministro do interior brasileiro Afonso Augusto de Albuquerque Lima. O texto descreve violências praticadas por latifundiários e funcionários do Serviço de Proteção ao Índio contra índios brasileiros ao longo das décadas de 1940, 1950 e 1960.

A partir de uma residência artística, Ricardo Castro fará ações em espaços públicos da cidade de Sorocaba que serão registradas em fotos e vídeos e publicadas no Google Maps, associadas aos locais onde aconteceram. Em suas redes sociais o artista irá revelar fragmentos dos registros destas intervenções.

Em performance que ocorre em 12/8 e 21/10 no auditório do Sesc Sorocaba, Deyson Gilbert apresenta uma aula em formato TED (Tecnologia, Entretenimento e Design), usando recursos como microfone, slides e envio de arquivos para um grupo de Whatsapp com as pessoas da plateia, com disseminação simultânea e posterior nas redes sociais.

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Juliana Ramos

Sobre verdades incertas ou Uma introdução

A segunda edição da trienal de artes Frestas de 2017 propõe um recorte que, por si, já representa uma fresta conceitual. Um espaço dinâmico de reapropriação das realidades que constituem a vida.
Ele se dilata e reconfigura, se expande e contrái, orientado pelas noções de pós-verdade e acontecimento, num processo de reciclagem de valores, sentidos, materiais, mas sobretudo dos olhares.
Através desta fresta não há resposta absoluta, mas um convite à observação das camadas de um processo gradual de implosão das certezas cotidianas, somado às poéticas que se evidenciam a partir disso, que transgridem, por sua vez, a rotina da própria história da arte.
O indivíduo contemporâneo conduz a mediação de sua experiência através dos ciclos de consumo, apropriacão e produção de conteúdos, constrói as identidades que representam seus valores e sentimentos em meio às possibilidades que a sociedade oferece e impõe. Um mosaico em processo de enriquecimento pelo contato com experiências de diversidade, numa encruzilhada entre as questões de transformação cultural, liberdades expressivas e moral.
Neste cenário enxergamos a diluição das verdades plenas numa solução de indícios parciais, cabendo ao indivíduo, munido de sua formação pessoal, adaptar-se a este contexto e formatar as visões do mundo que levará consigo.
Podemos perceber isso quando se torna necessário avaliar diversas fontes para descobrir se determinada celebridade realmente faleceu. Ou talvez durante o almoço, quando se come papelão desfaçado de carne. O exemplo torna-se óbvio na esfera política.
(Ou não).
Encontro uma tradução sensível do conceito neste trecho da canção de Tom Zé:


Suavemente prá poder rasgar
Olho fechado prá te ver melhor
Com alegria prá poder chorar
Desesperado prá ter paciência
Carinhoso prá poder ferir
Lentamente prá não atrasar
Atrás da vida pra poder morrer
Eu tô me despedindo pra poder voltar


A materialização da proposta curatorial no espaço se dá em tantos formatos e processos paralelos e/ou divergentes que a percepção dos discursos de cada obra se amplia e se encontra com a obra seguinte, possibilitando um universo de representação distorcido e aberto às traduções de cada leitor.

A exposição condensa esses questionamentos através dos trabalho de artistas brasileiros e estrangeiros, representantes de diversas gerações, em obras que demonstram a natureza múltipla da arte contemporânea, em seus processos e poéticas. Além da composição física da trienal Frestas no Sesc Sorocaba, também há obras espalhadas pela cidade, explorando o discurso artístico no contexto do espaço público e promovendo o encontro com a esfera inusitada da arte, assim como seus desdobramentos políticos. Este contato se estende para o meio virtual, pela presença de obras de arte digital e pelos olhares compartilhados neste espaço.
A Trienal de Artes Frestas estará em cartaz de 12/08 a 03/12.

Fotos: Adriano Sobral

Escrito por:

Wagner Linares