Miro Spinelli – Sesc http://frestas.sescsp.org.br/2017 Frestas - Trienal de Artes Fri, 31 Aug 2018 18:30:07 +0000 pt-BR hourly 1 http://frestas.sescsp.org.br/2017/wp-content/uploads/2017/07/favicon.png Miro Spinelli – Sesc http://frestas.sescsp.org.br/2017 32 32 Gordura Transforma http://frestas.sescsp.org.br/2017/blog/gordura-transforma/ Tue, 22 Aug 2017 18:28:45 +0000 http://frestas.sescsp.org.br/2017/?post_type=blog&p=5230

Começou. E lá está o ser humano no seu estado mais primitivo. Nu. Estão ali também cinco tonéis de metal azul cheios de banha. O sebo bovino, que se usa pra fazer sabão, endureceu dentro do recipiente e precisa ser remexido e arremessado ao chão. Corpos tatuados, lisos, peludos, femininos e masculinos se misturam ao material revirado. O gênero dessas quatro pessoas que vejo não me parece importante. São pessoas.

O piso fica escorregadio e os movimentos lentos precisam ser mais fortes e precisos. Gordura treme.

Fico com vontade de me aproximar e oferecer ajuda quando vejo que todos param ofegantes. Já existe cansaço em seus olhares. Vão se formando pequenos montes de sebo pelo chão. Ouço diversas pessoas dizendo que o cheiro da banha é insuportável. Gordura incomoda.

O artista, Miro, se inclina sobre os tonéis. Talvez mais fácil do que tirar a banha de dentro, seja esfregar o corpo diretamente nela. Senta e respira fundo. Gordura cansa.

Os corpos estão cobertos de suor. Gordura frustra.

Por maior que seja o esforço de todos, parece que a banha não quer sair. Quem sabe se deitarem? Um a um, os barris cheios vão sendo virados para o chão. Gordura pesa.

Sentados, agora eles tentam pisar no sebo endurecido. Aos poucos o material se solta e cai ao redor deles. Gordura esparrama.

O cheiro ainda incomoda algumas pessoas. Gordura afasta.

A tensão se dissipa entre eles, as pessoas ao redor não importam. Estão todos confortáveis no meio de toda aquela bagunça. Alguém pisoteia a gordura enquanto um corpo balançava no chão, eles riem. Rio eu também. Gordura também é leve.

Gordura Trans de Miro Spinelli é um projeto seriado em três partes. Este texto descreve a primeira ação intitulada gordura trans, apresentada em Frestas em 11/08.  

Escrito por:

Juliana Ramos

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Sobre uma Beleza em Construção http://frestas.sescsp.org.br/2017/blog/sobre-uma-beleza-em-construcao/ Sun, 13 Aug 2017 11:30:45 +0000 http://frestas.sescsp.org.br/2017/?post_type=blog&p=5106

A imagem do corpo obeso ainda ofende.

Na grande briga de foices que são os comentários da internet há ódio para tudo, é verdade. E o gordofóbico está lá, fazendo questão de dedicar seu tempo e vocabulário para difamar gratuitamente os outros. Assim como outros fóbicos.

Pois bem, vamos adotar uma empatia que esses indivíduos não costumam ter e voltarmos nossos olhos para seus preconceitos.


Feios, Sujos e Malvados


A construção do padrão de beleza da sociedade ocidental está fundada em ideais estéticos europeus. A história, e principalmente a história da arte, nos mostra as transformações desse padrão de diversas maneiras, numa equação envolvendo simetria, equilíbrio e proporção.

O tanquinho do Lançador de Discos. Cópia romana datando do séc. II AC.

A beleza na Grécia Antiga estava nos corpos esbeltos, sem adjacências que atrapalhassem as tarefas comuns, como praticar ginástica ou ir a guerra. Estes desvios no padrão estético do indivíduo desarmonizavam toda a sociedade e se tornavam motivos de ódio (qualquer semelhança com o nazismo não é mera coincidência). A beleza feminina, por sua vez, era idealizada a partir de atributos utilitários, em representações que evocavam a sexualidade e a fertilidade.

Com o tempo e o progresso, a equação perdeu seu balanço até deixar de fazer sentido obrigatório.

Então, qual o mecanismo pra gerar ódio pelo formato do corpo do outro?


Belos, Recatados e Ignorantes


Podemos avaliar alguns fatores:

01) Um formato de educação sustentado por esse ideal excludente da beleza (neoclássico e/ou conservador) que cria um olhar menos curioso pelo diverso, exigindo um padrão de excelência técnica que representa uma fração pequena das possibilidades da arte no séc. XXI.

02) O mercado, através da publicidade, que abastece um imaginário calcado nesta mesma lógica, comumente distorcidas por pesquisas de desenvolvimento de marca. O desejo pela experiência do consumo é construído sobre corpos que pouco representam a diversidade que podemos encontrar na vida em sociedade. Aos poucos a publicidade esboça um olhar mais diverso, guiada pelas tendências de mercado.

03) A ignorância, que se dá a partir de dois movimentos de alienação. Alienação configurada por meio do afastamento deste mesmo indivíduo ignorante, que opta por isolar-se de tudo que foge ao normativo; e por meio da própria internet que oferece justificativas para esta ignorância, por conduzir este indivíduo junto a outros que pensam como ele.

E qual a alternativa para dialogar com esse olhar?


Gordos, Transexuais e Radicais


Gordura Trans – Miro Spinelli

É comum que a arte se adiante e introduza ideias e discursos no seio da sociedade, geralmente através da prática, geralmente de forma polêmica. Condutas engessadas no início do séc. XX foram questionadas pelos modernistas, que distorciam a representação da imagem perfeita, ainda hoje são motivo de discussão, tanto na esfera estética quanto no campo comportamental.

A performance Gordura Trans do artista transexual Miro Spinelli, foi alvo de comentários preconceituosos em redes sociais e sua imagem foi viralizada de maneira caricata e ofensiva. O trabalho de Miro explora a subjetividade de seu corpo não binário e gordo para afirmar um corpo não hegemônico. Esta mesma performance acontece na Trienal de Artes Frestas, no Sesc Sorocaba, no dia 12/08.

A possibilidade de abrigar este tipo de produção, dar voz ao discurso omitido e iluminar as possíveis representações destas minorias é um caminho para esse processo de desenvolvimento cultural e social. Outra face disso está na própria arte. É preciso fazê-la, discuti-la, repensá-la, discuti-la novamente e assim por diante. Até o momento em que o corpo possa ser da maneira que ele deseje ser e estar.

O tempo do apedrejamento não precisa retornar.

Escrito por:

Wagner Linares

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