Começou. E lá está o ser humano no seu estado mais primitivo. Nu. Estão ali também cinco tonéis de metal azul cheios de banha. O sebo bovino, que se usa pra fazer sabão, endureceu dentro do recipiente e precisa ser remexido e arremessado ao chão. Corpos tatuados, lisos, peludos, femininos e masculinos se misturam ao material revirado. O gênero dessas quatro pessoas que vejo não me parece importante. São pessoas.
O piso fica escorregadio e os movimentos lentos precisam ser mais fortes e precisos. Gordura treme.
Fico com vontade de me aproximar e oferecer ajuda quando vejo que todos param ofegantes. Já existe cansaço em seus olhares. Vão se formando pequenos montes de sebo pelo chão. Ouço diversas pessoas dizendo que o cheiro da banha é insuportável. Gordura incomoda.
O artista, Miro, se inclina sobre os tonéis. Talvez mais fácil do que tirar a banha de dentro, seja esfregar o corpo diretamente nela. Senta e respira fundo. Gordura cansa.
Os corpos estão cobertos de suor. Gordura frustra.
Por maior que seja o esforço de todos, parece que a banha não quer sair. Quem sabe se deitarem? Um a um, os barris cheios vão sendo virados para o chão. Gordura pesa.
Sentados, agora eles tentam pisar no sebo endurecido. Aos poucos o material se solta e cai ao redor deles. Gordura esparrama.
O cheiro ainda incomoda algumas pessoas. Gordura afasta.
A tensão se dissipa entre eles, as pessoas ao redor não importam. Estão todos confortáveis no meio de toda aquela bagunça. Alguém pisoteia a gordura enquanto um corpo balançava no chão, eles riem. Rio eu também. Gordura também é leve.
Gordura Trans de Miro Spinelli é um projeto seriado em três partes. Este texto descreve a primeira ação intitulada gordura trans, apresentada em Frestas em 11/08.
Escrito por: