Gervane de Paula

Cuiabá, 1961

A obra de Gervane de Paula questiona a construção e a circulação de ícones no imaginário popular do estado do Mato Grosso. O artista aborda dinâmicas que atribuem valor a esses símbolos e como eles podem ser apropriados pelo comércio, pelo turismo e até vir a sustentar um discurso regionalista. Dessa forma, lança um olhar crítico, sempre impregnado de humor, sobre a elaboração de uma imagem exotizante do Pantanal. Em lugar dela, propõe retratos problemáticos, que expõem tanto a devastação agrícola quanto o esquema de tráfico de drogas que assolam o Mato Grosso, principalmente em sua fronteira com a Bolívia. Por extensão, acaba por refletir sobre o circuito da arte, no qual modelos e temáticas às vezes são repetidos e consumidos como bibelôs de uma loja de suvenires. Nos objetos e esculturas em madeira que compõem Mundo animal, de Paula problematiza questões inerentes à região e seus símbolos, como a onipresença visual do tuiuiú nas mais diversas logomarcas, no turismo ou nas propagandas políticas locais.

Obras

Mundo animal. Uma droga de arte!, 2017
cola, souvenir, artesanato em madeira, tinta óleo

Daria Martin

São Francisco, 1973. Vive em Londres

Os filmes oníricos e sinestésicos de Daria Martin tornam sensações corporais e percepções inconscientes quase palpáveis. Trabalhando com coreógrafos, músicos e atores, a artista aponta para a convergência e a continuidade entre diferentes disciplinas artísticas e convoca diferentes sentidos do espectador. Ao privilegiar o formato de películas de 16 mm, suas obras muitas vezes evocam os ideais utópicos e a estética das vanguardas modernistas. A artificialidade e a teatralidade das situações encenadas, no entanto, induzem uma reflexão sobre o filme como potencial máquina para fabricar fantasias, sonhos e ilusões.

Em In the Palace [No palácio], a escultura Le Palais à 4 heures du matin [O palácio às 4 horas da manhã], realizada por Alberto Giacometti em 1932, é reconstruída em escala humana para tornar-se um cenário habitado. Nele, bailarinos fazem coreografias inspirados na história da dança moderna, do Ballets Russes e Oskar Schlemmer à companhia de Martha Graham. A experiência desses intérpretes parece estar suspensa no tempo: seus corpos presos em um espaço hipnótico e imaginário, como peças giratórias no interior de uma estranha caixa de música.

Obras

In the Palace [No palácio], 2000
filme em 16mm, 7´
ELENCO Scarlett Sparkul, Eden Lighthipe, Toby Slezak, Ann Mazzocca
CÂMERA Xiaoyen Wang
CONTRARREGRA Karin Gulbran, Felisa Funes, Marisa Holmes, Karen Koh,
Kristi Nystul, Nicolau Vergueiro, Lisa Von Blanckensee, Trevor Watson
ASSISTENTES DE FIGURINO Felisa Funes, Trevor Watson
CONSTRUÇÃO DO SET Ben Evans, Torbjörn Vevji
FOTÓGRAFO (STILL) Torbjörn Vevji

Celina Portella

Rio de Janeiro, 1977

Os vídeos, fotografias, vídeos, performances e instalações de Celina Portella constantemente tensionam a relação entre o que encontra dentro e fora da imagem. Nas situações encenadas pela artista, o corpo – muitas vezes o seu próprio – é o protagonista de uma coreografia que desafia os limites do campo imagético. A partir de dispositivos tecnológicos, suas obras induzem continuidades e espelhamentos entre presenças reais e artificiais, espaços físicos e ilusórios.

Nas fotografias da série Puxa (2016), Portella aparecia em escala miniatura tensionando uma corda para criar contrapeso com algum objeto que estava além da moldura, gerando a ilusão de um equilíbrio real de forças. Em Nós (2011), desdobrou sua figura em camadas de vídeo sobrepostas, projetadas na escala humana, e dançava com esses duplos fantasmagóricos. Em Público, videoinstalação que apresenta em Frestas, Portella instaura a possibilidade de um novo campo relacional com os visitantes, estabelece um jogo intrincado que concilia e acumula múltiplas dimensões.

Obras

Público, 2017
videoinstalação interativa
PROJETO DESENVOLVIDO COM O APOIO DE Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro
(SEC) e Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro
(FAPERJ) – Bolsa do programa de estímulo à criação, experimentação e pesquisa artística

Susan Hiller

Tallahassee, 1940. Vive em Londres

A partir do legado histórico do minimalismo e da arte conceitual, Susan Hiller frequentemente utiliza estratégias de inventário, tradução e arqueologia para tratar de cultura e invisibilidade. Suas obras reúnem uma variedade de mídias, como instalação, vídeo e fotografia. Em Frestas, apresenta a série The Last Silent Movie [O último filme mudo] (2007-2008), composta de um filme e 24 gravuras sobre línguas que estão prestes a serem extintas por completo, uma vez que não são mais faladas.

A artista oferece, assim, a possibilidade de decifrar parte de uma comunidade cultural por meio de discursos orais sobre seu cotidiano, muitas vezes proferidos pelos últimos sujeitos fluentes nesses idiomas.

O trabalho lança questões: quanto de memória e história serão perdidos junto com a língua? Qual é o contexto socioeconômico que determina a primazia de algumas culturas e a extinção de outras? Essa pesquisa lança mão de métodos e percursos que extrapolam o domínio da ciência. Em vez de um inventário rigoroso, a relação com os idiomas é sensível, mediada pela sensação física de ouvi-los em uma sala escura.

Obras

The Last Silent Movie [O último filme mudo], 2007-2008
projeção em Blu-Ray, 21” e gravuras sobre Moulin de Gué (Rives de Lin) 270 gr.
Coleção Inhotim

Thiago Honório

Carmo do Paranaíba, 1979. Vive e trabalha em São Paulo

Alvo, Revolver e Bala são obras inéditas, que, expostas na forma de tríade, estabelecem uma relação discursiva de reciprocidade. Em Bala, um boneco em escala humana recepciona os visitantes oferecendo seu próprio corpo para ser devorado: seu esqueleto é constituído de bandejas repletas de balas de coco. Trata-se de uma réplica de bonecos típicos das festas infantis dos anos 1970 no Brasil. A palavra “bala” tem aqui dois significados: é terna e lúdica quando se refere aos confeitos oferecidos aos visitantes, mas também violenta quando remete à munição de armas.

O tema da violência permeia a relação com as outras obras, como a instalação Revolver, constituída de oito carcaças de revólveres antigos, dos últimos três séculos. Honório frequentemente utiliza objetos que têm carga histórica, porém os atravessa com outras narrativas no presente, constituindo trabalhos que falam sobre cruzamentos de tempo, memória e violência. Aqui, a palavra “revolver”, além de arma de fogo, também sugere “voltar”, “retroceder”. A terceira parte do tríptico, Alvo, oferece um comentário tragicômico sobre a angústia e a violência contidas nesses trabalhos: um nariz de palhaço é esticado até alcançar a forma de um sorriso tenso.

[LB]

Obras

Revolver, 2014/2017
8 carcaças de revólveres dos séculos XIX, XX e XXI soldadas a um tubo de aço

Bala, 2015/2017
boneco-baleiro natural 1:1; balas de coco embrulhadas em papel rococó

Alvo, 2004/2017
régua de acrílico de 30 cm, haste de acrílico, nariz de palhaço profissional, elástico

On Kawara

Kariya, 1933 – Nova York, 2014

Vivendo nos Estados Unidos e havendo iniciado sua produção nos anos 1960, sintonizado com o debate da arte conceitual, On Kawara se debruçou sobre um entendimento autorreferente e vivencial da linguagem e do tempo. Uma das suas séries mais conhecidas é Today [Hoje], realizada a partir de 1966. Trata-se de um conjunto de pinturas que enunciava nada mais do que dia, mês e ano de sua manufatura. Em vez de priorizar esforços na composição, nas cores e no tema da pintura, a série obedecia a algumas regras fixas: a data era sempre pintada em branco, centralizada, com a mesma fonte, em uma tela de cor chapada.

One Million Years [Um milhão de anos] pertence a essa pesquisa. Iniciada nos anos 1960 e ainda aberta para novas vivências, mesmo após a morte de Kawara, em 2014, a obra parte de dois livros: o primeiro, Past [Passado], é um registro dedicado a “todos aqueles que viveram e morreram”, cujo conteúdo é uma listagem dos anos de 998.031 a.C. a 1969; o segundo volume, Future [Futuro], disponibiliza uma listagem dos anos entre 1993 e 1.001.992 e é dedicado “ao último”. A instrução é que os livros sejam lidos em inglês, por um homem e uma mulher, que vocalizam as datas intercalando passado e presente. Com essa obra, On Kawara assinala quão aleatória pode ser a organização da vida ao redor da contagem cronológica, assim como o senso de absurdo representado por uma quantidade como um milhão de anos.

Obras

One Million Years (Past and Future)
[Um milhão de anos – passado e futuro], 2009
discos, 60’
Coleção Moraes-Barbosa

One Million Years [Um milhão de anos], 1999
2 livros, caixa com 2 livros
Coleção Moraes-Barbosa

Marcius Galan

Indianapolis, 1972. Vive em São Paulo

O desenho e a geometria permitem a Marcius Galan refletir sobre a conformação burocrática dos espaços e enunciar possibilidades subversivas de seu uso. O artista costuma ser conciso no uso de materiais, cujas funções originais contribuem para determinar forma e conteúdo das obras. Assunto e execução têm sintonia fina. De tão preciso, o resultado de seu pensamento plástico muitas vezes aponta para falhas de mecanismos aparentemente perfeitos.

Para encontrar o que há por trás de uma primeira camada ilusória de ordem, o artista convoca um espectador engajado, que desbrave com atenção outros ângulos, desconfiando, dessa maneira, daquilo que se reconhece como funcional e cotidiano. O gesto inicial deste projeto para Frestas foi manter visíveis algumas características arquitetônicas deste local de exibição da obra, o estacionamento do Sesc Sorocaba.

Obras

Rupestre, 2017
pintura automotiva, objetos encontrados, telefone com som
PARTICIPAÇÃO Carlos Issa

Francesca Woodman

Denver, 1958 – Nova York, 1981

Modelo para a maioria de suas imagens, Francesca Woodman trabalhou sobretudo o autorretrato. Em suas fotografias, casas decadentes costumam ser o cenário onde mulheres jovens se apresentam em situações ambivalentes entre a força e a fragilidade. Às vezes suas figuras se encontram em movimento e, por isso, são capturadas como vultos pela longa exposição da câmera fotográfica, seja em ruínas de arquiteturas hostis a esses corpos ou na natureza.

O suicídio aos 22 anos induz uma camada de significado que dificilmente se descola da crítica produzida sobre seu trabalho. Deixou uma obra considerável, com cerca de oitocentas fotografias, a maior parte produzida quando era ainda estudante. Atualmente, seus pais cuidam dessa coleção, que carrega o drama mas também o sarcasmo de uma artista desafiadora, que tinha domínio pleno de suas proposições. Embora muito jovem, conseguiu formular um estilo próprio e experimental, que cita o surrealismo e uma produção fotográfica do século XIX que forjava espíritos. A prática de Woodman ainda tangencia a performance e as questões de gênero e identidade, muito presentes na cena artística estadunidense dos anos 1970.

Obras

Sem título, da série Eel (Veneza,
Itália), 1978
impressão de prata coloidal
Coleção Andrea e José Olympio Pereira

Sem título, 1979
impressão de prata coloidal
Cortesia Luciana Brito

From Polka Dots [De bolinhas
(Providence, Rhode Island)], 1976
impressão de prata coloidal
Coleção Particular

Sem título (Roma, Itália), 1977-1978
impressão de prata coloidal
Coleção Particular

Sem título (Andover, Massachusetts),
1972-1974
impressão de prata coloidal
Coleção Particular

Sem título (Boulder, Colorado),
1972-1975
impressão de prata coloidal
Cortesia Mendes Wood DM São Paulo

Sem título (Providence, Rhode
Island), 1976
impressão de prata coloidal
Cortesia Mendes Wood DM São Paulo

Sem título (New York), 1979
impressão de prata coloidal
Cortesia Mendes Wood DM São Paulo

Sem título (New York), 1979-1980
impressão de prata coloidal
Coleção Dulce e João Carlos de
Figueiredo Ferraz

Daniel Senise

Rio de Janeiro, 1955

No início da carreira, nos anos 1980, Daniel Senise participou de exposições que legitimaram sua obra no contexto da chamada “Geração 80”, entre um conjunto de artistas que, apesar de diverso, foi ressaltado pela crítica devido ao investimento em uma pintura gestual, de cores vibrantes. Desde o fim dos anos 1990, Senise vem realizando obras que se situam entre a pintura e a colagem, principalmente por usar materiais apropriados do cotidiano de seu ateliê, como a sujeira do piso, pregos, páginas de livros e catálogos de arte, entre outros. Os bastidores da pintura tornam-se, dessa forma, o próprio assunto da obra. Textura e variações cromáticas são geradas com uma técnica que se assemelha à da monotipia, em que pigmentos e formas são transferidos de um plano a outro por contato.

Os trabalhos realizados para Frestas têm como suporte fotografias do refeitório de funcionários da Estrada de Ferro Sorocabana, uma das principais ferrovias do século XIX e meados do XX. Replicando sua técnica sobre tela, o artista justapõe nas imagens objetos recolhidos no local que já foi um fervilhante ponto de reunião de trabalhadores, e atualmente encontra-se abandonado.

Obras

Sorocabana V, 2017
Objetos (4 peças de madeira) colados
em fotografia adesivada em fotografia
AGRADECIMENTO Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia de
São Paulo (IFSP)

Sorocabana III, 2017
Objetos (azulejos) colados em fotografia
adesivada em alumínio
AGRADECIMENTO Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia de
São Paulo (IFSP)

Sorocabana II, 2017
Objetos (azulejos) colados em fotografia
adesivada em alumínio
AGRADECIMENTO Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia de
São Paulo (IFSP)

Sorocabana IV, 2017
Objeto (madeira) colado em fotografia
adesivada em alumínio
AGRADECIMENTO Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia de
São Paulo (IFSP)

Sorocabana I, 2017
Objetos metálicos rebitados em fotografia
adesivada em alumínio
AGRADECIMENTO Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia de
São Paulo (IFSP)